Eu não estou aqui para te entreter


Mais uma noite sozinha, fumando cigarros e observando na sacada do prédio a vida passar pela rua. Estou na metade da terceira taça de vinho e já começo a sentir os efeitos do álcool no corpo. Sempre fui muito fraca para bebidas.

O telefone vibra em minhas mãos e eu, muito a contragosto, desbloqueio a tela para ver a nova notificação.

"E aí? Quanto tempo haha! Estou na cidade a passeio. Planos para hoje?"

Ri da minha feliz infelicidade. Sexta-feira, oito da noite. Previsível, como sempre.

Soltei a fumaça lentamente, apagando o cigarro no cinzeiro que ao meu lado estava. Enquanto a taça de vinho jazia na mão esquerda, outrora ocupada pelo tabaco, a direita segurava o telefone com uma força além do necessário.

Raiva

Num primeiro momento, não pude evitar que esse sentimento se instalasse no meu peito. Quem ele pensa que é para perturbar minha paz em troco de um "carinho" mais íntimo? Ele não precisa dizer as palavras, seu contato já tem intenções implícitas (ou, eu diria, explícitas, já que só me procura com esse intuito...). Por que insiste nisso?

Tristeza

Subitamente, fico decepcionada comigo mesma, pois, quando me dei conta, meu polegar digitava uma resposta. Lá estava eu, prestes a aceitar mais uma proposta indecente por medo da solidão.

Solidão?

Por que insisto em pensar que não sou uma companhia boa o suficiente para mim mesma? Estou tão bem aqui, curtindo minha noite. É engraçado pensar nisso, pois depois que rolamos pelos lençóis, sempre fico a sós. Ele nunca fica.

Numa interminável espera pelo contato dele, não percebo que a paz é minha companheira quando me encontro sozinha. A expectativa sempre me sufoca. "Ele vai me procurar quando estiver disponível".

E por que você tem sempre de estar disponível se nem ele está?

A dúvida surgiu na minha mente como a luz surge ao apertarmos um interruptor. Era um tanto injusto, parando para pensar, que eu deveria esperar um sinal dele. Não era isso que eu tinha em mente quando entreguei meu coração.

Talvez seu coração esteja em mãos erradas.

A voz na minha cabeça dizia cada vez mais alto e claro. Verdades difíceis de encarar.

Talvez seu coração nem esteja mais nas mãos dele, mas, sim, numa estante.

Verdades muito difíceis de encarar.

Virei o conteúdo da taça de uma vez, finalmente me decidindo. Eu não sou um passatempo, não seria diferente dessa vez.

Olhei a mensagem pela última vez antes de ignorá-la completamente. Larguei o celular no sofá da sala e voltei para sacada, após encher mais uma taça de vinho e acender mais um cigarro.

Finalmente, livre de uma história unilateral, suspirei e esbocei um sorriso. Entendi que minha própria companhia me basta. Não troco minha paz e liberdade para habitar a prateleira de alguém. Não mais.